terça-feira, 24 de maio de 2011

Fim

Tudo tem um tempo, tudo tem o seu auge e o seu ponto mais baixo. Tudo tem um inicio, e por isso, um fim.
Adorava quanto chegava áquela rua de um só sentido, cheia de prédios antigos e a precisarem de manutenção. Tocava á campainha do segundo andar, e quando ouvia o Click da porta desatava a correr por aquela escada, em caracol, a cima. Ela já estava á porta de casa á minha espera, de braços abertos, com um sorriso radioso e os seus grandes olhos cinzentos cheios de amor e alegria. Tudo para me receber em sua casa. Quando entrava, sentia a carrepete maçia debaixo dos sapatos, já um pouco gasta de tantas passadas suportar. Dirigia-me á cozinha, deparando-me com os seus móveis velhos de um azul água e o balcão de mámore já um pouco amarelo. Havia sempre um mimo para mim, e em cima da mesa da cozinha, normalmente esperavam-me uma de muitas guloseimas. Entre chocolates vários, a bolachas maria com geleia e canela e bolinhos de milho, eu deliciava-me nas tentações que ela com tanto carinho me preparava.
A correr ia para a sala cumprimentá-lo, também ele me esperava com um sorriso a desenhar-se-lhe na boca. Ela vinha atrás de mim, passavamos as tardes juntas. Nunca antes tive tardes tão felizes e maravilhosas. Ela contava-me histórias de quando trabalhava em casa de outras pessoas, das filhas ou filhos dessas pessoas. As intrigas dessas familia e as suas diversões. Eu nada dizia, não ousava interromper voz tão suave e cantante, aos meus ouvidos soava como a mais fantástica das melodias. Depois iamos ao jardim, onde com rugas de preocupação a marcarem-lhe a tez, ela andava atrás de mim para não me magoar nos baloiços e escorregas. Tinha amigos já conhecidos com os quais fazia corridas e brincava ás escondidas. E já na hora de jantar, iamos de novo para casa onde me aguardava o mais delicioso dos mangares, com cheiro a especiarias, sentia-me embriagada com tal aroma e sabor. E quando tinha que me ir embora, recebia sempre mais um mimo, e um beijinho dela, com tal adoração que muitas vezes me doia deixá-la.

Um dia, tudo acabou.
Não fui mais a sua casa, não mais recebi guloseimas deliciosas, não mais a ouvi contar histórias. Não mais pude ir brincar para o parque com os meus amigos, e o mais importante, não mais pude ver o cinzento tempestade dos seus bonitos olhos, não pude ouvir mais a melodia terna da sua voz, não pude ver mais o seu sorriso e assim, não vi mais o seu amor por mim!
A morte apoderou-se dela sem qualquer piedade, não me dando sequer tempo para dizer um último Adeus, levou-a para tão longe do meu alcance que não mais a consegui ver.
Não me quis lembrar dela assim, prostada numa qualquer caixa de madeira, rodeada de choros sonoros e incessantes, queixumes abafados e orações que de nada lhe serviram. Mantive-me á distância de tudo isso, e com a sua imagem de braços abertos e sorriso no rosto na mente, chorei sozinha dias e noites até não ter mais lágrimas em mim.
Passados 2 anos ainda choro de coração aberto e alma ferida por me teres deixado tão abrutamente e sem explicações.
Amo-te e Amar-te-ei até ao fim dos meus dias!
Tenho saudades tuas, Avó.

Em Homenagem a Carolina Guido dos Santos e Pinho ( 30/10/1934 - 14/08/2008)

2 comentários:

Cláudia Andrade disse...

Olá Catarina

Eu já passaram quase 6 anos e todos os dias que me lembro dela é sempre como se fosse ontem, como se tivéssemos a receber a notícia, como se o tempo não tivesse acalmado nem curado nada como os outros dizem que cura...

Habituamos-nos a viver sem eles, mas isso não quer dizer que a dor seja menor com o passar do tempo...

Beijocas
Cláudia

Sufocada disse...

Olá Cláudia,

É bem verdade, a famosa máxima de "O tempo cura tudo" não passa de uma frase feita com o objectivo de apaziguar aquilo que não pode ser suavizado.

Obrigado pela tua partilha de sentimentos!

Beijinhos
Catarina